Patologia Veterinária
Resumo de Livro
CAP 1 – SISTEMA RESPIRATÓRIO
Morfologia e Função do Sistema Respiratório: Para facilitar a compreensão das alterações, o trato respiratório pode ser dividido estruturalmente e funcionalmente.
- Divisão Estrutural: Trato respiratório superior, que vai das narinas à laringe, e inferior, compreendendo traqueia, brônquios, bronquíolos e pulmões.
- Epitélio: O epitélio de revestimento do trato respiratório superior, exceto narinas e laringe (epitélio estratificado pavimentoso não queratinizado), é pseudoestratificado ciliado com células secretoras. Traqueia, brônquios e bronquíolos também são revestidos por esse tipo de epitélio, frequentemente chamado de epitélio respiratório. Bronquíolos respiratórios, sacos alveolares e alvéolos não possuem células ciliadas ou secretoras de muco.
- Alvéolos: São revestidos predominantemente por pneumócitos tipo I (membranosos), que são células delgadas que favorecem a hematose (troca gasosa entre ar e sangue). Pneumócitos tipo I são suscetíveis a lesões e não proliferam. Também presentes são pneumócitos tipo II (granulares ou secretórios), células volumosas e cuboides que secretam surfactante e possuem capacidade de proliferação. Pneumócitos tipo II proliferam durante a reparação de lesões e podem diferenciar-se em pneumócitos tipo I para reconstituir o revestimento alveolar. Um terceiro tipo celular, mais escasso, é o pneumócito tipo III, cuja função não é bem conhecida. A Figura 1.1 representa esquematicamente os componentes da parede alveolar.
- Divisão Funcional: Considera a função dos segmentos. Inclui as vias respiratórias condutoras de ar (das narinas aos bronquíolos terminais) e o parênquima pulmonar (bronquíolos respiratórios, sacos alveolares, alvéolos).
- Estruturas de Suporte: Traqueia e brônquios são circundados por anéis cartilaginosos que previnem o colabamento, mantendo o lúmen aberto para facilitar a passagem do ar. A ausência de cartilagem nas paredes é o que caracteriza morfologicamente os bronquíolos e os diferencia dos brônquios em animais domésticos. Brônquios e bronquíolos contêm quantidade variável de células musculares lisas (leiomiócitos) em suas paredes. Os brônquios sofrem dilatação durante a inspiração e reduzem o diâmetro durante a expiração devido à ação dessa musculatura lisa.
- Fluxo Sanguíneo e Exposição ao Ar: O parênquima pulmonar recebe um fluxo sanguíneo intenso para a hematose, correspondente a todo o volume da grande circulação. O pulmão também é exposto a um enorme volume de ar inspirado, que pode carregar microrganismos e outras substâncias.
Rotas de Lesão e Fatores Predisponentes: Agentes lesivos atingem o trato respiratório por meio do ar inspirado (via aerógena) ou do sangue (via hematógena). A via aerógena é a mais importante, principalmente em animais de confinamento, devido à maior concentração de agentes patogênicos no ar, gases irritantes (como amônia – NH3 e gás sulfídrico – H2S). Entre 40% e 50% das perdas em confinamento bovino são por doenças respiratórias. Outros fatores predisponentes à rinite incluem alta concentração de poeira e baixa umidade do ar, que diminui a secreção e desidrata o muco, lentificando a eliminação de partículas.
Mecanismos de Defesa: O trato respiratório possui mecanismos de defesa para impedir que agentes infecciosos ou partículas cheguem aos pulmões e, se chegarem, para eliminá-los. Esses mecanismos protegem o parênquima pulmonar, removendo agentes lesivos, além de umedecer e aquecer o ar inspirado, o que ocorre principalmente nas vias respiratórias superiores. Os mecanismos de defesa incluem:
- O lençol mucociliar: Uma camada de muco que cobre a superfície das vias respiratórias (traqueia, brônquios, bronquíolos) e se move em direção à laringe pelo batimento dos cílios do epitélio respiratório. Sua função é remover partículas e difundir substâncias. A discinesia ciliar primária, uma alteração morfológica e funcional dos cílios, compromete este mecanismo e predispõe a rinites e broncopneumonias.
- A microbiota bacteriana saprófita.
- Os macrófagos alveolares.
- O tecido linfoide broncoassociado (BALT).
- Reflexos protetores, como tosse e espirro, que contribuem para a desobstrução das vias respiratórias, particularmente traqueia e brônquios.
- A ventilação colateral, que é muito desenvolvida em cães e gatos, mas virtualmente ausente em bovinos.
Principais Alterações Patológicas (Lesões):
- Rinites: Inflamação da mucosa nasal. Causas comuns incluem Bordetella bronchiseptica e Pasteurella multocida toxigênica, fungos, Rhinosporidium seeberi, e alergênios. Fatores predisponentes, como gases nocivos (amônia, H2S), alta concentração de poeira e baixa umidade do ar, também contribuem. As rinites podem ser agudas, crônicas ou crônico-ativas.
- Bronquiolite: Processo inflamatório dos bronquíolos. A patogênese da asma felina, por exemplo, parece envolver hipersensibilidade do tipo I a alergênios, resultando em inflamação e infiltração de eosinófilos nos brônquios e bronquíolos.
- Bronquiolite Crônica Obliterante: Uma resposta inflamatória inespecífica dos bronquíolos e alvéolos adjacentes a vários agentes lesivos. Causas incluem infecções virais (ex: vírus da influenza), gases tóxicos (NH3, H2S, oxigênio puro), vermes pulmonares e pneumotoxinas. Para seu desenvolvimento, ocorrem necrose do epitélio na junção bronquíolo-alvéolo e acúmulo de exsudato rico em fibrina, estimulando fibrose. A lesão típica microscópica é a formação polipoide de tecido conjuntivo fibroso que oblitera parcial ou totalmente o lúmen bronquiolar de forma permanente e irreversível. As consequências da bronquiolite são mais graves que as da inflamação dos grandes brônquios.
- Obstrução das Vias Respiratórias Inferiores (Brônquios e Bronquíolos): Obstrução parcial pode resultar em enfisema, enquanto obstrução total leva à atelectasia. Isso ocorre porque a inspiração é ativa, mas a expiração é passiva; na obstrução parcial, o ar entra mas não sai totalmente, retendo-se nos alvéolos e levando à ruptura das paredes. Na obstrução total, o ar não chega aos alvéolos, causando seu colapso.
- Bronquiectasia: Dilatação permanente e irreversível de um segmento brônquico. É uma consequência comum da broncopneumonia em bovinos, devido à predisposição da espécie pela septação lobular completa que impede a ventilação colateral e dificulta a remoção do exsudato. Geralmente se localiza cranioventralmente. A bronquiectasia pode levar à compressão do parênquima adjacente. Eventualmente, pode ocorrer ruptura das áreas bronquiectásicas, causando extravasamento de exsudato para a cavidade pleural e pleurite, ou trombose dos vasos adjacentes com formação de êmbolos sépticos e septicemia.
- Enfisema Alveolar: Dilatação dos alvéolos com ruptura das paredes. É mais importante em equinos, particularmente na doença conhecida como complexo bronquiolite-enfisema crônico (também chamada asma equina, doença pulmonar obstrutiva crônica ou heaves), frequentemente associada a ambientes empoeirados. O enfisema nesses casos é secundário a lesões brônquicas e bronquiolares. Outras espécies domésticas também são suscetíveis.
- Atelectasia: Colabamento dos alvéolos, resultando em parênquima pulmonar sem ar. A atelectasia congênita é difusa e total, ocorrendo em animais natimortos que não respiraram; nesses casos, o pulmão não flutua na água. É frequentemente associada a parto laborioso. A atelectasia obstrutiva é a forma mais comum e decorre da obstrução total de uma via respiratória. A atelectasia compressiva ocorre quando fatores externos na cavidade torácica comprimem o pulmão, como hidrotórax, hemotórax, quilotórax, pleurite exsudativa com piotórax, processos neoplásicos e pneumotórax (acúmulo de ar na cavidade torácica). O pneumotórax bilateral com grande acúmulo de ar pode levar à insuficiência respiratória e morte pela incapacidade de expansão pulmonar.
- Pneumonia: Inflamação do parênquima pulmonar. Pode ser classificada anatomicamente em broncopneumonia (inicia-se na junção bronquíolo-alvéolo), pneumonia lobar (inicia-se na junção, evolução rápida) e pneumonia intersticial (pneumonite) (inicia-se no interstício).
- Broncopneumonia: A característica principal é o local de origem na junção bronquíolo-alvéolo. Os agentes causadores chegam por via aerógena ou broncogênica. Essa área é mais suscetível devido à deposição de pequenas partículas (0,5 a 0,2 μm) pela diminuição da velocidade do ar e pela falta da proteção do lençol mucociliar e de um sistema de fagocitose por macrófagos alveolar semelhante ao dos alvéolos. A localização das lesões é tipicamente cranioventral e segue a orientação lobular. Macroscopicamente, observa-se consolidação ou hepatização cranioventral (consistência semelhante à do fígado), de coloração vermelho-escura ou acinzentada. Ao corte, a superfície pode ser úmida (exsudato mucopurulento ou purulento) ou ressecada (exsudato fibrinoso). Microscopicamente, a inflamação inicial ocorre na junção, com rápido preenchimento dos alvéolos adjacentes por exsudato rico em proteína, fibrina, neutrófilos, eritrócitos e macrófagos. Lesões crônicas têm mais macrófagos e proliferação de pneumócitos tipo II. A pneumonia pelo vírus da cinomose em cães é um exemplo, com características histológicas como células sinciciais com corpúsculo de inclusão intracitoplasmático. A infecção por Rhodococcus equi em equinos, embora listada como causa de broncopneumonia em uma tabela não mostrada na íntegra, geralmente provoca uma pneumonia piogranulomatosa, com associação de resposta granulomatosa e supurada em nódulos que macroscopicamente se assemelham a abscessos.
- Pleuropneumonia: Inflamação que afeta o pulmão e a pleura. Um exemplo é a infecção por Actinobacillus pleuropneumoniae em suínos, que causa extensas áreas de consolidação bilateral com deposição de fibrina na pleura visceral.
- Mineralização da Pleura Parietal: Mencionado como uma alteração que pode ocorrer, por exemplo, secundária à insuficiência renal crônica em cães.
Aspectos Diagnósticos: O exame macroscópico dos pulmões deve ser feito cuidadosamente, avaliando coloração (normalmente rósea), consistência, volume e superfície de corte. O não colabamento dos pulmões após a abertura da caixa torácica indica possível lesão. A palpação ajuda a localizar abscessos, neoplasias, granulomas, cistos ou outras lesões. O exame dos linfonodos regionais (apicais e mediastínicos) é de capital importância no diagnóstico de tuberculose em bovinos e é obrigatório em linhas de inspeção em abatedouros; devem ser fatiados para expor lesões internas.